
Apesar do Brasil ser 56% negro, não vemos pessoas negras nos espaços de poder e ocupando locais majoritariamente brancos, como no corpo médico de hospitais, no corpo docente de universidades, na política, entre outros.
Além disso, o desemprego atinge mais as pessoas negras do que as brancas. Uma das formas de aumentar a equidade racial nestes espaços, é garantindo que as oportunidades de trabalho cheguem a todas as pessoas negras, em diversos níveis de senioridade.
A solução que construí, chamada de Ministério do Povão, pretende ampliar e construir uma rede que conecte profissionais negros e potenciais clientes ou empresas parceiras, de diversas áreas e níveis de atuação, como médicos/as, pedreiros/as, programadores/as, pintores/as, entre outros.
Como produto, projetei um aplicativo mobile capaz de conectar profissionais negros de diversos segmentos e níveis do mercado, a potenciais consumidores, movimentando o Dinheiro de Gente Preta na economia brasileira e valorizando a economia circular.
Contexto
De acordo com dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (IBGE, 2019), cerca de 56% da população brasileira se identifica como preta ou parda.
Mas porque é tão difícil encontrar um cardiologista negro em um hospital público? ou um CEO negro em uma grande empresa? ou um professor negro em uma Universidade Federal?
Objetivo
Propor o desenvolvimento de um aplicativo mobile para conectar profissionais negros/as do Distrito Federal com possíveis clientes, potencializando a visibilidade destes e destas profissionais além de impulsionar a movimentação do “Dinheiro de Gente Preta” (sugestão de tradução para o termo Black Money).
Objetivos específicos
- Ampliar o número de atendimentos para possíveis clientes por profissionais negros/as.
- Contribuir para que profissionais negros/as sejam reconhecidos e encontrados mais facilmente por clientes.
- Valorizar a movimentação de Dinheiro de Gente Preta (Black Money), com mais renda sendo movimentada entre pessoas negras.
Metodologia

A metodologia utilizada para o desenvolvimento da solução foi uma adaptação da Double Diamond (ou duplo diamante), conhecida pela resolução de problemas de maneira mais assertiva, completa e empática.
Ela foi aplicada em quatro etapas no projeto: Descobrir, Definir, Desenvolver e Testar e Iterar. Foram utilizadas, em conjunto, ferramentas de design de serviço, como personas, mapa de valor e grupos focais, e serão descritas nos próximos tópicos.
Etapa 01 – Descobrir
Na etapa 01, Descobrir, fiz a análise e estudo de diversos materiais e descrevi os insights de cada um deles no capítulo anterior de fundamentação teórica.

Depois, busquei e mapeei iniciativas similares ao Ministério do Povão. Em seguida, fiz uma pergunta simples para 6 pessoas próximas para validar se a solução que estava construindo fazia sentido para elas, e o resultado foi favorável.
Etapa 02 – Definir
Na segunda etapa, Definir, defini os objetivos gerais e específicos, o público-alvo, criei algumas personas, desenvolvi o naming e a identidade visual da marca e por fim os requisitos do aplicativo.
Público-alvo
Em seguida, defini o público-alvo, tendo dois principais: o público de consumidores e o de profissionais negros/as.
- Público 01 – consumidores: contratam serviços por meio da internet, em grupos de Facebook, pelo Instagram, em pesquisas no Google ou principalmente pedindo indicações. Têm familiaridade média em usar a internet em smartphones.
- Público 02 – profissionais negros/as: são profissionais que anunciam seus produtos e serviços de forma offline, através de cartões de visita, flyers e marketing boca a boca, e também de forma online, em grupos de Facebook, páginas no Instagram, podem ter sua página de negócio no Google, costumam atender pelo WhatsApp e pelo e-mail, e as vezes têm um website. Têm familiaridade média com a internet em smartphones e computadores.
Personas



Naming

O nome foi criado ao redor da palavra povão. Normalmente é um termo utilizado de forma pejorativa para denominar pessoas de classes sociais menos favorecidas, sobretudo pessoas negras. O objetivo de se utilizar esse nome para este projeto é inverter a semântica da palavra povão e mostrar que a população negra é expressiva em número, forte, unida e autossustentável.
Há também a palavra Ministério, que tem como um de seus significados, o trabalho, o exercício de um cargo ou de uma função. Para o projeto, ele teria um sentido de ser um agregador de trabalho.
Identidade Visual da marca
A marca foi desenvolvida a partir das características das seguintes palavras: brasileiro, negros, pretos, pardos, cultura, povo, povão, multidão, imensidão, guerreiros, trabalho, trabalhadores, agregador, rede, conectar, conexão, diversidade. Depois da conceituação, desenvolvi algumas versões para o logotipo, escolhendo a família tipográfica e paleta de cores, além de testar a aplicação da marca em algumas peças gráficas.
Logotipo

O símbolo do logotipo foi construído a partir da mesclagem bandeira do Brasil com uma pessoa representando os brasileiros. Foram utilizadas formas chapadas simples, como o círculo azul na cabeça, o losango amarelo, além de cores vibrantes para representar a diversidade do país.
Tipografia

A tipografia utilizada é a Cabrito, desenvolvida por Jeremy Dooley, através do estúdio americano Insigne Design, e disponibilizada no Adobe Fonts. A fonte foi utilizada no peso Light para a palavra “ministério” e Norm Demi em “do povão”. As palavras estão em caixa baixa para passar a sensação de praticidade, humanidade e modernidade. Além disso, o peso em “do povão” é proposital para valorizar o povo negro brasileiro.
Paleta de Cores

Escolhi seis cores para a marca e que foram destrinchadas posteriormente para o protótipo. São cores bem vibrantes e contrastantes entre si, fornecendo grandes possibilidades de combinações.
Peças Gráficas

Foram criadas algumas peças gráficas para o Instagram para ilustrar a ideia de rede. A ideia era postar conteúdos autorais e curados de brasileiros/as negros/as.
Requisitos do aplicativo
Como última parte desta etapa, foram definidos alguns requisitos para o aplicativo. Os requisitos servem para auxiliar na construção das estruturas do aplicativo. São requisitos de funcionalidade, de usabilidade, de usuário e de experiência.
- O aplicativo deve ser intuitivo, com uma navegação simples e fluida;
- O usuário pode chegar numa mesma tela por diversos fluxos e funcionalidades;
- A rede deve valorizar as pessoas negras em primeiro lugar;
- As cores devem representar a pluralidade cultural brasileira e a diversidade;
- O usuário deve se sentir suficientemente informado durante sua navegação.
- A funcionalidade de ordenação de profissionais deve ser por padrão a localização, até 12 quilômetros do usuário.
Etapa 03 – Desenvolver
Na terceira etapa, Desenvolver, comecei a estruturar o aplicativo. A partir da definição dos requisitos do aplicativo, das pesquisas e estudos sobre interfaces, escolhi o público de consumidores para construir o fluxo do usuário no Miro, para entender melhor o fluxo de navegação que o público teria no aplicativo.
Após, fiz alguns protótipos em baixa fidelidade em papel sulfite e fui juntando as proposições parecidas, e depois as priorizei, para posterior desenvolvimento de protótipo em alta fidelidade, que fiz no software Figma.
Fluxo de navegação do usuário
Para o fluxo de navegação, escolhi o público dos consumidores para desenvolver a solução. O fluxo está dividido em três camadas. A superior, em rosa, são as atividades principais que os usuários podem desenvolver no aplicativo. A central, em azul, são os passos que os usuários têm que tomar para completar as atividades. E em amarelo, estão os detalhes, que são as interações granulares e mais detalhadas para completar os passos.

Prototipação em baixa fidelidade
Após definir o fluxo do usuário consumidor, desenhei a mão algumas telas em papel sulfite A4. Para isso, imprimi os moldes nas proporções do iPhone 13, mesmo tamanho que utilizaria no protótipo em alta fidelidade.

A escolha da utilização do iPhone 13 como suporte é que o meu telefone é um iPhone 12, e seria mais viável para testar o aplicativo em tempo real nele, mas a solução em si foi pensada para rodar nos mais diversos sistemas operacionais e dispositivos.
Prototipação em alta fidelidade
Na fase de prototipação em alta fidelidade, desenvolvi as telas e interações no aplicativo do Figma. O Figma é um editor vetorial online muito utilizado para o desenvolvimento de interfaces. Nele foi possível organizar previamente todo o design system do aplicativo, com botões, tipografia, paleta de cores, ícones, e muito mais, além de claro, poder projetar cada uma das telas e suas interações.
Design System
O primeiro passo foi desenvolver a identidade do aplicativo. Para isso, analisei as diretrizes de desenvolvimento para o iPhone 13, que conta com alguns elementos fixos, como a barra de status, que fica localizado na parte superior da tela. Escolhi esse modelo de iPhone por ser compatível com o meu dispositivo, possibilitando que eu testasse mais rápido. Essas guidelines foram obtidas através da página de comunidade do Figma.

Guidelines: As guidelines, ou guias de base servem para delimitar até onde uma tela pode ser construída. Em vermelho, temos a barra de status, com 44 pixels de altura. Em azul, temos os limites laterais verticais, definidos em 20 pixels. Serve como margem de segurança para evitar que o conteúdo fique colado nas bordas. E em rosa, temos a área onde se encontra o botão de ação do iPhone, com 34 pixels.

Grids: O aplicativo conta com o layout de 8 colunas, tendo 20 pixels de margem de segurança (conforme mostrado na cor azul do item anterior) e 10 pixels de espaçamento entre as colunas azuis.
Paleta de cores: a partir da paleta de cores da marca, apresentada no tópico 6.2.4.3, desenvolvi tons mais claros e mais escuros, para serem utilizados com ainda mais contraste com os fundos.

Tipografia

A tipografia adotada em todo o aplicativo foi a família Montserrat. Utilizei pesos e tamanhos diferentes de acordo com a hierarquia da informação. Há três pesos para os títulos, três para o texto do corpo, três para notas e dois para rótulos.
Avatars

Houve a criação de alguns avatares para ilustrar o perfil do usuário no aplicativo e ícones de redes sociais para o usuário se conectar ou cadastrar. Há três tipos, o primeiro, que vem como padrão, são as iniciais do nome do usuário. O segundo são imagens carregadas pelo usuário, e o terceiro são ilustrações que representam os brasileiros, semelhantes ao logotipo da marca.
Cards dos profissionais

Os cards se repetem em muitas telas do app e sua estrutura é a mesma. Eles contam com o avatar, símbolo de atividade (representado pela bolinha verde), nome do profissional, categoria profissional (abaixo do nome) e distância, além dos ícones que representam adicionar aos favoritos, entrar em contato e a setinha para acessar o perfil.
Botões

Os botões seguem o mesmo padrão, com o texto inserido de forma centralizada dentro de um retângulo.
Inputs

Quando há necessidade de inserção de texto, os inputs seguem duas estéticas. A primeira, é para o momento de cadastro e é semelhante ao input de pesquisa. A segunda está relacionada com os inputs de completar o cadastro na página de perfil.
Ícones

Os ícones utilizados no aplicativo são de uma coleção do próprio Figma. Foram utilizados 21 ícones, alguns para representar categorias e outros para funções do aplicativo.
Telas
Houve o desenvolvimento de 33 telas. Há elementos comuns na maioria delas, como o menu superior, os cartões, os filtros e o menu de contatos. A ideia é que o usuário acesse a solução mesmo sem estar cadastrado, porém quando se cadastra e mantém uma conta ativa, ele tem diversos benefícios, como poder salvar profissionais ou lojas em seus favoritos, deixar avaliações na página dos profissionais e obter recomendações personalizadas baseadas em seus interesses em categorias.
Clique abaixo para navegar as telas do protótipo:
https://www.figma.com/embed?embed_host=share&url=https%3A%2F%2Fwww.figma.com%2Fproto%2FtrO52LkP3dFfTSwGjz7rFX%2FMinist%25C3%25A9rio-do-Pov%25C3%25A3o%3Fnode-id%3D44%253A1539%26scaling%3Dscale-down%26page-id%3D3%253A17090%26starting-point-node-id%3D44%253A1539
Etapa 04 – Testar e Iterar
Na última etapa, Testar e Iterar, depois da construção da primeira versão do app, testei a usabilidade do aplicativo com 6 usuários que se enquadrassem em um desses níveis de familiaridade com tecnologia: pouca familiaridade com tecnologia, familiaridade média/alta com tecnologia e o terceiro, de profissionais negros/as que tenham familiaridade média com tecnologia.
Teste de usabilidade
Alguns dias antes dos testes acontecerem, enviei um convite por e-mail para todas as pessoas que se disponibilizaram a participar contendo o link da chamada no Google Meets. Expliquei o que era o aplicativo Ministério do Povão e o intuito dos testes e pedi autorização para gravação de tela, áudio e voz. Para começar os testes, fiz duas perguntas para entender o hábito de consumo deles.
- Como vocês fazem para contratar um/a profissional ou um serviço hoje? Descreva o passo a passo. Se usar app, qual mais utilizado?
- Qual desses pontos – qualidade, preço, localização – é mais importante que vocês levam em consideração na hora de contratar um/a profissional ou serviço?
Em seguida, entrei no segundo bloco do teste, que era para testar o aplicativo de fato. Enviei o link do protótipo navegável em alta fidelidade do Figma no chat do Google Meets e individualmente distribuí uma das seguintes tarefas para cada um dos usuários. Dividi os testes em três blocos de usuários e pedi para que eles compartilhassem a tela enquanto executavam as tarefas.
- Tarefa 01: Acesse a página do Instagram do vidraceiro Milton através da função de pesquisa.
- Tarefa 02: Se cadastrar no aplicativo como consumidor e completar o cadastro e acessar o telefone do vidraceiro Milton.
- Tarefa 03: Acessar o site do vidraceiro Milton a partir da página de favoritos.
O primeiro bloco durou cerca de 45 minutos e foi feito com a Madu e o Vitor, dois designers negros que foram enquadrados como consumidores. O intuito foi separá-los dos demais por conta de serem designers e terem bagagem com design de interface, o que poderia acabar atrapalhando o desempenho dos demais.

O segundo bloco durou cerca de uma hora e foi feito com a Ester e a Kali como consumidoras e a Victória como profissional/consumidora. Elas têm idades entre 22 e 26 anos e se enquadram no público de familiaridade média/alta com tecnologia.

O terceiro e último bloco dos testes foi feito com a minha mãe Rossana, uma usuária com baixa habilidade com tecnologia. O teste foi feito de forma presencial, pois gostaria de acompanhar mais de perto cada toque e cada intenção de navegação, e utilizei um smartphone para rodar o protótipo navegável.

Análise de Usabilidade
Após a execução individual de cada tarefa, foram avaliadas as seguintes métricas de usabilidade: a) questionário pós-cenário (ASQ), e b) escala de usabilidade (SUS).
Questionário pós-cenário (ASQ)
Originalmente chamado de After-Scenario Questionnaire em inglês, é um questionário criado por J. R. Lewis e conta com três perguntas numa escala de 1 a 7 que medem o nível de facilidade, o nível de satisfação com o tempo de execução e o nível de informação e suporte durante a execução. As perguntas e respectivas médias de resposta foram:
- De 1 a 7 (onde 1 representa muito difícil e 7 muito fácil) qual foi o nível de facilidade em executar a tarefa? Média: 4,4 de 7
- De 1 a 7, o quanto estou satisfeito/a com o tempo que levei para completar a tarefa? Média: 4,8 de 7 76
- De 1 a 7, o quanto estou satisfeito/a com o nível de suporte e informação enquanto completava a tarefa? Média: 5,1 de 7
Escala de usabilidade (SUS)
Também chamada de System Usability Scale, a escala foi criada por em 1986 por John Brooke e é composta de dez perguntas que variam numa escala de 1 a 5 e avaliam a usabilidade do aplicativo, passando por pontos sobre a integração das funcionalidades, facilidade de uso, e desejo de uso, além de nível de suporte e conhecimento prévio para utilização.
- Eu acho que gostaria de usar esse aplicativo com frequência.
- Eu acho o aplicativo desnecessariamente complexo.
- Eu achei o aplicativo fácil de usar.
- Eu acho que precisaria de ajuda de uma pessoa com conhecimentos técnicos para usar o aplicativo.
- Eu acho que as várias funções do aplicativo estão muito bem integradas.
- Eu acho que o aplicativo apresenta muita inconsistência.
- Eu imagino que as pessoas aprenderão como usar esse aplicativo rapidamente.
- Eu achei o aplicativo atrapalhado de usar. 9. Eu me senti confiante ao usar o aplicativo.
- Eu precisei aprender várias coisas novas antes de conseguir usar o aplicativo.
A média geral das respostas dos usuários foi 62, numa escala que varia de 0 a 100, onde a média normalmente é 68. Médias abaixo de 68 costumam apresentar problemas de navegabilidade e usabilidade. No caso da solução, precisei melhorar alguns pontos.
Ao fim dos testes, todos os usuários foram convidados a compartilhar suas percepções gerais sobre o aplicativo em grupo.

Alguns dos pontos trazidos durante as discussões foram acatados em iterações posteriores, enquanto outros não faziam tanto sentido pela essência da solução, ou que pudesse comprometer a experiência planejada.
Considerações Finais
Finalizo o trabalho revisitando alguns pontos de destaque. Trabalhar com temas raciais e sociais sempre é um desafio, pois existem diversos fatores visíveis e invisíveis agregados que nos cabe pesquisar e entender muito a fundo quem vai estar utilizando a solução antes de criá-las.
Acredito que o protótipo em alta fidelidade conseguiu traduzir visualmente bem o objetivo de potencializar os talentos e a visibilidade dos profissionais pretos e pardos em todas as estruturas e elementos, seja nas cores, nos botões, na posição de cada ícone, na hierarquia da informação de cada tela ou dando oportunidade de personalização para os profissionais.
O trabalho desenvolvido se limitou ao fluxo do consumidor, porque seria um MVP mais interessante no momento. Como possibilidades futuras, eu desenvolveria o aplicativo construindo o fluxo dos profissionais, construiria um fórum coletivo para ampliar ainda mais a rede.
Também construiria iniciativas de capacitação em várias áreas para os profissionais se especializarem com outros profissionais negros da rede e com apoio do Ministério do Povão. O aplicativo tem muito potencial de ser implementado, e para isso seria necessário um time de tecnologia para seguir com o desenvolvimento e programação.
Obrigado 🙂
